domingo, 3 de novembro de 2013

"PIPAS" E "O DIA EM QUE O BOI FALOU" DA AUTORIA DE JANIA SOUZA





Hoje, desejo compartilhar com vocês dois textos meus. Um poético. Outro prosa. Ambos hospedados em www.escrita.com.br. A hospedagem é gratuita. A leitura também. Eles, dentre outros meus, não são os mais lidos do site. As contagens de leituras para os mais lidos são enormes. Dá-me vontade de ser até um desses vencedores da escrita. Porém, sinto-me imensamente contemplada com as vezes que sou lida. Pois ser lido é o maior desejo do escritor. E ser lido, também, por quem não conhece o autor, é ainda mais gratificante. A obra toma corpo. Seu espírito amplia-se e invade o consciente e até o subconsciente de quem se deleita no mergulho da viagem das letras.

As leituras de meu poema "Pipas" corresponde a uma edição de um livro impresso. Contagem atingida em um curto espaço de tempo. Postagem e verificação.
O meu texto, prosa, lenda potiguar adaptada, foi-me contada por Maria das Dores, Senhora que trabalhava junto a uma empresa prestadora de serviços da empresa em que labuto. Pedi permissão a mesma para escrevê-la e registrar um acontecimento inusitado de nossa terra. Real ou fictício, não importa. O fato é que é bastante bizarro. Chega ao cômico e lúdico. Aproveitei para inserir uma mensagem como qualquer criador. A mão do escritor não deixa a história sem acrescentar a sua inspiração, razão do maravilhoso labutar as palavras em sua riqueza de matizes diversas e várias. Foi o primeiro texto que inseri no site escrita da Editora Komedi a convite, por ser sua parceira em coletâneas: Komedi e Nau em diversas edições. Resultado, surpresa quando retornei e observei que a leitura do texto correspondia a precisamente três edições escritas. Fantástico o poder incontestável da web.

Apresento-lhes mais uma vez: Pipas e O Dia em que o Boi falou

PIPAS
JANIA MARIA SOUZA DA SILVA

Resumo: 

Para o poeta Pedro Luis Lópes Pérez e sua poesia, especialmente Claras Cometas (LIRA)
Amo as pipas de minha infância
pétalas de alecrim e açucena
carregam cordéis em seus sonhos
enchem-me com versos e esperança.

Em seu bailado de estrelas

soltam-se à liberdade do vento
despreocupadamente singram outros mares
sempre ao sabor do tranquilo pensamento.

Do infinito, buscam incansáveis a luz

fulgurante, que ofusca, que encanta.

Vorazes em suas belezas seguem bem adiante

para se encantarem e formarem uma só estrela
lá, onde só se respira paz e a doce ternura
de um sorriso de criança que ficou para trás.

Seu coração ansioso e tristonho, doido com a partida

não compreende ainda a ingratidão das pipas
que num voo sem retorno levaram sua alegria. 
O DIA EM QUE O BOI FALOU
O dia em que o boi falou
JANIA MARIA SOUZA DA SILVA

Resumo: 

História inusitada das terras do vale do Ceará-Mirim/RN abordando a questão da escravatura - usurpação do trabalho humano e seus direitos
O dia em que o boi falou

Conta-se que pelos idos do ano da graça de Deus de 1.888, ano da Abolição da Escravatura em terras brasilis, nas glebas do vale do Ceará Mirim dedicadas ao cultivo da cana-de-açúcar, província do Rio Grande do Norte, mais precisamente na Fazenda Timbó de Dentro, , sendo o patriarca a personagem desse fato inédito, a seguir relatado.

O Senhor dos Escravos, dono do engenho, mandou o escravo trabalhar no domingo, dia consagrado ao descanso pela fé católica e assimilado pelo negro trazido do continente africano como escravo para fazer funcionar a produção do engenho com a finalidade de oferecer uma grande quantidade de açúcar para o comércio com o resto do mundo. O Escravo saiu do quintal da senzala e percorreu veloz o verde campo até o enorme pasto a perde-se na linha do horizonte, circundado por árvores frutíferas e verdejante canavial. Chegando lá, rumou para a sombra de uma gigantesca mangueira onde o gordo boi ruminava tranquilamente a sua digestão matinal. Posicionou-se frente à majestade do boi e com ares de senhor, mandou-o levantar-se para a labuta diária. O Boi fez descaso da ordem. O Escravo pôs-se a gritar, bramindo uma vara de catucar. O Boi muito tranqüilo com seus grandes e mansos olhos replicou para espanto do escravo, que ficou estarrecido na sua incredulidade.
- Mumm! Mumm! Escravo desobediente às Leis do Divino, eu vou descansar, pois não tenho descanso nem domingo, nem feriado. Mumm! Mumm! – continuou a ruminar indiferente aos olhos esbugalhados de espanto do escravo.
Esse deu meia volta sobre si mesmo como se tivesse assistido “O Exorcista” e saiu em disparada de volta para a sede da fazenda, sem olhar uma única vez para trás. Chegando ainda esbaforido, arquejando com a correria, foi em busca do senhor e relatou o quê o boi amotinado havia falado. Logicamente, o senhor não acreditou e contrariado com a suposta esperteza do subordinado, concluiu que tudo era pura invenção do astucioso negrinho. Mesmo assim, foi lá ter com o boi, para comprovar a criatividade do moleque escorão que não queria trabalhar. Percorreu a cavalo com suas vestes vistosas, chapéu e botas cano longo, o mesmo caminho d’antes vencido pelo seu escravo e, enfim, avistou a grande mangueira e o majestoso animal a ruminar tranquilamente no seu descanso dominical. Dirigiu-se para o local. Apeou e aproximou-se do boi. Esse, indiferente, nem se deu ao trabalho de fitar o senhorio do engenho. O Senhor do Engenho com toda pompa de dono de todas as coisas ao seu redor, olhou o Boi arrogantemente com ar autoritário.
- Boi! Levanta para trabalhar! Tenho que preparar um carregamento de açúcar para embarcar no navio em Natal com destino à Inglaterra. – disse o Senhor enfurecido.
O Boi nem se mexeu e calmamente continuou no seu canto a sombra refrescante da enorme mangueira, que deixava cair deliciosos frutos maduros, para o banquete do majestoso animal de carga e tração, pois ele puxava o carro de boi que cantava todo dia por entre as estradas de barro vermelho do verde canavial, quando o sol acordava preguiçoso e os pássaros bailavam no ar. Incansavelmente atravessava o dia até a despedida do púrpuro astro rei, que turvava de prata e vermelho as mansas águas do Ceará Mirim, banhando a imensa plantação.
- Boi! Não tire minha paciência! Vou mandar açoitá-lo, pois tenho pavio curto. Arra! Eu mesmo vou açoitá-lo. Você tem que trabalhar! – esbravejava o senhorio com a chibata levantada para cair no couro do boi.
Foi quando se ouviu um forte mungido do sábio animal.
- Mumm! Mumm! Não vou trabalhar, pois descanso em dias de feriado. Mumm! Mumm! – disse firme e decidido o valente animal e continuou ruminando tranquilamente na sua posição dolente.
O Senhor ficou petrificado com a mão no ar. Considerou rapidamente num lampejo de consciência: “Ainda bem que não mandei mais gente para desmentir o escravo ladino. Pois não é que o boi fala mesmo! Deve ser coisa do Todo Poderoso ou do demo. Pois não é que esse bicho nem tendo sido catucado ou relhado foi trabalhar!” - O Senhor voltou-se para o escravo, que era o único ser vivo naquele lugar, além dele, a presenciar tamanho descalabro.
- Se você falar a respeito dessa ocorrência, mandarei matá-lo! – disse e montou veloz no cavalo abandonando num sopro de vento a contenda com o Boi, que, tranqüilo, continuou no refrigerado da mangueira com o sol a pino sobre o canavial.
O obediente escravo saiu caminhando calmamente e daquele dia em diante, todos que passavam pelas terras do Ceará Mirim ou pelas suas redondezas ouviam contar a história do boi que falou, pois o escravo encarregou-se de espalhar o cômico e inacreditável ocorrido. O fato chegou aos ouvidos do Senhor de Engenho que mandou chamar o Capitão do Mato e ordenou a morte do escravo fofoqueiro no pelourinho da fazenda. Por triste coincidência, na hora em que o escravo exalava seu último suspiro, chegava a cavalo conduzido por um peão das vizinhanças a notícia de que a Princesa Isabel, a Redentora, libertara todos os escravos em terras brasileiras, acabando o suplício dessa gente. Gente africana sequestrada do seio da terra mãe, para ser forçada a trabalhar para enriquecer o colonizador português. Gente destituída de todo e qualquer direito, principalmente da própria condição de ser humano, pois o negro era tratado como objeto, ferramenta de trabalho. Longe da nova prática dos Direitos Humanos. Bravo povo, que mesmo contra a vontade de vir para as terras tupiniquins, participaram ativamente da construção da nação (identidade) brasileira.
Nos conta Maria das Dores que o Capitão do Mato ficou traumatizado e relatou a seu pai essa história, que era do conhecimento de toda a comunidade.
Desse engraçado episódio tira-se a grande lição: trabalho e repouso são intrinsecamente dependentes e sumamente necessários. O trabalho dignifica e provém a sobrevivência do homem, mas na dosagem exata, pois sem lazer o homem estressa. Produzir é importante para suprir a vida, mas também é necessário não deixar a fadiga abreviar os anos de vida e de lucidez. Há necessidade de equilíbrio para todas as forças que operam na natureza, talvez seja por isso que Deus trabalhou tanto em seis dias e descansou ao sétimo dia. Ato que valoriza, nos velhos ensinamentos da humanidade, o tão decantado repouso, fonte inesgotável da renovação do vigor do homem.

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