quarta-feira, 18 de março de 2009

COBERTURA DO JORNALISTA SÉRGIO VILAR DO DIÁRIO DE NATAL AO DIA 13/03/09, COMEMORAÇÃO DO DIA 14/03 EM 02 DIAS


FOTO DE D'LUCA/DN

14/03/2009 - 09:27 | Atualizada em: 14/03/2009 às 09:27 por Sérgio Vilar

Um dia para a poesia potiguar

Se em cada esquina desta vila há um poeta, eles hão de aparecer hoje. O Dia da Poesia em Natal é celebrado como dia da independência. É quando poetas malditos e benditos vão à forra e recitam seus versos aos quatro ventos. Ganham espaço, notoriedade. São os astros do dia. Na comemoração de ontem na Capitania das Artes deram autógrafos, receberam homenagens. No corredor de entrada havia poesia de dezenas deles. Alguns esquecidos durante 364 dias do ano, como João Gualberto, Miguel Cirilo. Mas ali, recebiam as bençãos da Natal poética de Jorge Fernandes os poetas Nei Leandro de Castro e Volonté.

Até a prefeita resolveu borboletear pela casa municipal de cultura. O Sousa de Micarla não tem o ‘‘z’’ de Auta de Souza, mas a prefeita afirmou ser leitora da poesia de Drummond, Mário Quintana e do preferido Paulo Bonfim. Reconheceu também a ‘‘vida difícil dos artistas’’ e transportou o andarilho Volonté a mares antes nunca navegados: ‘‘Muitas vezes Volonté é mais reconhecido fora do Estado do que em sua própria cidade’’, como se o poeta abençoado pelo anjo torto, de quatro livros publicados de forma independente por falta de incentivo público, andasse além do Beco da Lama ou do Conjunto Cidade Satélite, onde mora.

O microfone aberto e capitaneado pelas artes ouviu recitais, cantorias e encenações teatrais de artistas que, como reconheceu a prefeita, carregam as pelejas de Ojuara no cotidiano da Jerimunlândia de Othoniel Menezes, sempre aberta às novidades do Atlântico. Tudo para o deleite de adolescentes atentos ao sarau em homenagem ao nonagenário cordelista Zé Saldanha e o poeta dramaturgo Paulo Dumaresq, encenado pelos atores Rodrigo Bico e Harlane Rodrigues, com participação do pessoal da Trope Trupe e apresentação - quase declamação - do poeta Plínio Sanderson.

Como escreveu Neil de Castro, ‘‘a dor da poesia é como navalha: sangra por segundos’’. E uma verdadeia hemorragia poética foi derramada sobre o democrático microfone da Capitania. De alunas das escolas públicas convidadas com seus poemas iniciais ao artista plástico Ivo Maia em ode a Elino Julião, mais recitação de toda qualidade de poesia, entre matuta, lírica, rimada e concreta. A brincadeira da manhã poética na Capitania foi encerrada com o poeta popular Acaci e a roda de dança e poesia dos membros da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins.

A meninada aprovou a programação. Pediu autógrafos a quem achasse diferente, com jeitão de poeta. Volonté cismou de início, mas entrou na roda e autografou cadernos de uns cinco alunos. Nei Leandro tirou fotos com outros mais e a poesia parece ter penetrado e encantado os primeiros versos de muitos deles. ‘‘Fazer poesia é difícil, mas sem rima eu consigo’’, disse Natália, 13. Volonté, também consegue. E os versos do poeta foram lembrados por Nei Leandro: ‘‘Primeiro veio o verbo; depois, os canalhas’’.

Rumos da nova poesia potiguar

Após criações, recriações e discussões metafísicas acerca da originalidade, a grande pergunta, ainda em branco, deixada na mesa de debate formada no auditório da Capitania para discutir Os novos caminhos da poesia potiguar é: o que representa o novo na poética deste Rio Grande ou nesta Natal de quarteirões multiplicados, após a famosa quadrinha de poetas e jornais em cada esquina?

Os convidados de ontem procuraram respostas plausíveis. Nei Leandro de Castro citou uma penca de poetas e ressaltou a qualidade e quantidade de poetizas em atividade, como Iracema Macedo, Marize Castro, Diva Cunha, Lisbeth Lima, Iara Carvalho, Jeane Araújo, Maíra, Ana de Santana e Jânia Souza. Esta última, também convidada da mesa, afirmou que o futuro da poesia potiguar passa pela existência, resistência, divulgação e formação de novas platéias - trabalho realizado insistentemente pelo pessoal da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins.

A curraisnovense Iara Carvalho foi enfática: ‘‘A idéia de originalidade não existe’’. E citou a tradição poética potiguar como alicerçe à poesia reinventada. ‘‘A tradição nos lega muita coisa. O presente é arquitetado com o solo do passado’’. Eduardo Alexandre, o Dunga, acrescentou à idéia: ‘‘A vanguarda se faz vanguarda na práxis’’. E ressaltou o trabalho realizado pela Galeria do Povo - força motriz para surgimento de movimentos poéticos e poetas.

O poeta Plínio Sanderson resumiu o futuro da nova poesia potiguar nas palavras do poeta Adriano de Souza: ‘‘Aos 20, o poeta era jovem promissor. Aos 30, era poeta. Aos 40, ele já era’’. Menos cético, Plínio comentou do ‘‘karma’’ de uma cidade situada na esquina do continente. ‘‘Tudo chega primeiro na Jerimunlândia e esquecemos de celebrar nossas personas. O novo na poesia ainda é Jorge Fernandes; é o Poema Processo; é Adriano de Souza quando diz que aos 40 o poeta já era’’.

Plínio lembra, saudoso: ‘‘Volonté tem saudades de quando se chegava em qualquer ponto da cidade tomando o ônibus praça ou alecrim. A cidade cresceu. O elefante já é pouco para caber a poesia potiguar. E se os limites deste Rio Grande já são poucos para tanta veia poética, os potiguares são verdadeiros desbravadores da alma, segundo Dunga: ‘‘A poesia é o desenvendamento da própria alma. Drummond escreveu isso quando afirmou: ‘Os corpos se entendem; as almas, não’. Só a poesia permite esse desevendamento’’.

Poema escrito de improviso por Nei Leandro de Castro durante a manhã de ontem e entregue à poeta Jânia Souza:

Neste dia
dedicado à poesia
eu quero dizer versos
quase perversos
aos teus ouvidos
na planície da cama.
Não, não importa
se não me amas.
Mas se tiveres ternura
meu amor se inflama.

(Nei Leandro de Castro)

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